Pequenos palcos ornados no centro de uma praça, que remetem a muitas histórias de encontros, desencontros e sentimentos para muitas pessoas que nasceram e cresceram em cidades do interior ou mesmo em algumas capitais. Deles, muitas pessoas conheceram, apreciaram e até mesmo tocaram as mais variadas marchas, retretas e canções. São os chamados coretos, que até hoje se fazem presentes em boa parte dos municípios brasileiros. Tratam-se de elementos arquitetônicos característicos de praças e parques, reconhecidos por sua estrutura geralmente adornada em forma de cúpula ou gazebo.
Segundo a professora Millena Moreira Fontes, coordenadora operacional de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes (Unit), os coretos surgiram na Europa do século XVIII, onde essas estruturas eram comuns em praças públicas, parques e jardins de cidades e vilas. “Sua função principal era servir como um local para apresentações musicais ao ar livre, proporcionando um espaço para bandas ou grupos musicais se apresentarem para a comunidade local, e fornecendo entretenimento em eventos comunitários ou celebrações”, contextualiza.
No Brasil, os coretos foram introduzidos pelos colonizadores portugueses, que buscavam reproduzir as estruturas de suas cidades e povoações de origem. Inicialmente, eram pequenas estruturas de madeira, que depois foram sendo substituídas por estruturas de metal e depois de alvenaria (com tijolos e cimentos), evoluindo conforme o estilo arquitetônico de cada época. “Com a urbanização e o desenvolvimento das cidades brasileiras no século XIX, os coretos tornaram-se elementos comuns em praças e parques, refletindo o gosto pela arquitetura eclética da época, que mesclava diferentes estilos arquitetônicos, como neoclássico e o neogótico”, detalha Millena.
Originalmente, os coretos eram projetados para abrigar bandas militares ou orquestras que se apresentavam, mas depois foram cedendo espaços para as “filarmônicas” formadas nas próprias comunidades locais. A professora destaca que, além de seu valor estético e histórico, os coretos também desempenhavam uma função prática na vida cotidiana das cidades, servindo como espaços de encontro e lazer ao ar livre. “Assim, desempenhavam um papel importante na promoção da cultura e da sociabilidade em espaços públicos”, acrescenta.
Em Aracaju, alguns deles foram construídos nas praças do Centro Histórico, como a Fausto Cardoso, a Olímpio Campos, a Almirante Barroso e a General Valadão. No livro Aracaju romântica que vi e vivi, o escritor e memorialista Murillo Melins descreve sobre as bandas musicais do Exército Brasileiro e da Policia Militar, que se apresentavam nestes coretos entre as décadas de 1940 e 1960, animando as noites de festas com ritmos de sambas, boleros e fox-trot. E estas apresentações embalavam o chamado “footing”, caminhadas nas quais homens e mulheres “paqueravam” e iniciavam relacionamentos amorosos.
Nos tempos de hoje
Atualmente, não há levantamentos precisos sobre quantos coretos existem atualmente nas cidades sergipanas, nem nas brasileiras. Muitos deles encontram-se abandonados, deteriorados e servindo de abrigo para pessoas em situação de rua. Mas outros estão preservados e funcionam como atrativo para os mesmos encontros de outrora. “Mesmo sem a presença de bandas, é importante ressaltar que os coretos continuam sendo usados nas praças de diversas formas. Eles podem servir como locais para apresentações de artistas locais, eventos culturais, exposições de arte, feiras e até mesmo como espaços para a prática de atividades físicas ou encontros comunitários”, destaca Millena.
Entre os das praças do centro de Aracaju, os únicos que restaram foram os dois que estão na Praça Fausto Cardoso, e que foram recuperados na última reforma, realizada em 2016. A coordenadora operacional lembra que, no cotidiano atual, as praças da região servem mais como local de passagem e eventuais manifestações, refletindo as transformações no uso das áreas centrais da cidade, onde prevalecem as atividades comerciais e de serviços. Isso, no entanto, não tira a necessidade de preservação do patrimônio arquitetônico e histórico presente nestes locais.
“A conscientização sobre a importância desses elementos para a população é fundamental para que seja questionada a falta de manutenção por parte do poder público do nosso centro histórico. Esses elementos fazem parte da paisagem urbana, representando não apenas uma herança arquitetônica, mas também valores como sociabilidade, tradição e cultura. Precisamos cuidar da nossa arquitetura e patrimônio histórico do centro de Aracaju, para que não haja descaracterização e o apagamento de testemunhos de nossa história”, observa Millena.
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