Uma das vertentes mais presentes e conhecidas do Carnaval no Brasil é a das escolas de samba, agremiações que integram comunidades inteiras de bairros periféricos nas cidades brasileiras, com o objetivo de promover o samba e a cultura popular. Todos os anos, elas se envolvem em uma grande disputa: os desfiles das escolas de samba, nos quais elas se apresentam para contar uma história e encantar o público durante pouco mais de uma hora na avenida. Assim se faz “o maior show da terra”, que acontece embalado ao som de uma trilha frenética e emocionante: o samba-enredo, sempre embalados pela marcação de uma grande bateria e de um marcante coro de intérpretes, também chamados de “puxadores”.
O surgimento deste gênero aconteceu na década de 1930, com a criação das primeiras escolas de samba do Rio de Janeiro, como Deixa Falar, Portela, Unidos da Tijuca e Estação Primeira de Mangueira. Estas escolas passaram a participar de desfiles carnavalescos promovidos por jornais da época e foram criando sambas para marcar os desfiles de cada agremiação. Antes, as escolas improvisavam os versos do samba, o que acabou proibido pela censura do Estado Novo (1937-1945).
A partir daí, os sambas passaram a ser compostos previamente e adequados ao tema proposto para o desfile daquele ano, em alinhamento com as fantasias e com os carros alegóricos. Foi ainda nos anos 1940 que os sambas passaram a tratar de temas relativos à História do Brasil e às tradições culturais. Um dos enredos mais conhecidos da época foi “Exaltação a Tiradentes”, da Império Serrano, composto para o Carnaval de 1949, que conta a história do líder e mártir da Inconfidência Mineira, ocorrida em 1789.
A partir dos anos 1950, os sambas-enredo passaram a incluir temas afro-brasileiros, como os países e tradições africanas, orixás da umbanda, personalidades negras e líderes que lutaram contra a escravidão. Destacam-se neste ramo os enredos “Quilombo dos Palmares” (Salgueiro, 1960) “Chica da Silva” (Salgueiro, 1963), “Festa para um Rei Negro” (Salgueiro, 1971), “A Criação do Mundo na Tradição Nagô” (Beija-Flor, 1978), “Kizomba, a Festa da Raça” (Vila Isabel, 1988), “Áfricas: do berço real à corte brasiliana” (Beija-Flor, 2007) e “Fala, Majeté! As sete chaves de Exu” (Grande Rio, 2022).
Na década de 1960, os sambas passaram a ser gravados em discos LP e ficaram bastante conhecidos do grande público, a ponto de serem regravados por grandes nomes da música brasileira, como Martinho da Vila, Beth Carvalho, João Nogueira, Eliana Pittman, Clara Nunes, Marisa Monte, Caetano Veloso e Tom Zé. A popularidade ficou ainda maior quando os desfiles começaram a ser transmitidos pela televisão para todo o país, na década de 1970, e com a construção do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, em 1984. Estes fatos impulsionaram a profissionalização das escolas de samba, que passaram a receber patrocínios e adotaram uma sofisticação e exuberância cada vez maior em seus desfiles.
Vertentes do samba-enredo
A temática histórica, e geográfica e cultural continuou presente em boa parte dos sambas-enredo, que informalmente passaram a ser um instrumento de educação, informação e cultura, na medida em que os enredos passaram a mostrar, através das letras dos sambas, fatos, narrativas e reflexões ao grande público.
Uma vertente dos sambas-enredo é o chamado samba-exaltação, criado para valorizar as riquezas e qualidades do país e da região. Um exemplo é o samba “Maravilha de Cenário”, da Império Serrano para o Carnaval de 1964, no qual são descritas as paisagens e culturas dos estados brasileiros. Também se destacam “Bahia de todos os Deuses” (Salgueiro, 1969) e “Lendas e Mistérios da Amazônia” (Portela, 1970).
Ao longo das décadas, estes sambas passaram a destacar personalidades da cultura, a exemplo de “O Teu Cabelo Não Nega” (Imperatriz, 1981, sobre o compositor Lamartine Babo), “Yes, nós temos Braguinha” (Mangueira, 1984), “Chico Buarque da Mangueira” (1998), e “Maria Bethânia: A Menina dos Olhos de Oyá” (Mangueira, 2016) , da literatura, como “No Reino das Palavras, Carlos Drummond de Andrade” (Mangueira, 1987), e do esporte, como “Acelera, Tijuca” (Unidos da Tijuca, 2014, sobre o piloto Ayrton Senna).
A outra vertente, que ganhou mais força principalmente nos anos 1980, com o fim da ditadura militar, foi a dos enredos com críticas políticas e sociais contundentes contra a pobreza e a desigualdade. São exemplos os enredos “Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão?”, (Mangueira, 1988), “Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia” (Beija-Flor, 1989), “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?” (Paraíso do Tuiuti, 2018) e “História para ninar gente grande” (Mangueira, 2019).
E uma terceira vertente de sambas-enredo que sempre esteve presente no carnaval é a dos temas de caráter mais filosófico ou que exploram detalhes mais específicos do comportamento humano, do mundo e da realidade. É o caso de “O Amanhã” (União da Ilha, 1978), “Hoje tem Marmelada!” (Portela, 1980), “Ziriguidum 2001 – Carnaval nas Estrelas” (Mocidade, 1985), “Sonhar não Custa Nada, ou Quase Nada” (Mocidade, 1992), “Trevas! Luz! A Explosão do Universo” (Viradouro, 1997) e “É Segredo!” (Unidos da Tijuca, 2010).
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