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Os desafios das comunidades quilombolas existentes em Sergipe

Cerca de 4 mil famílias vivem hoje em 32 territórios reconhecidos oficialmente; apesar das demarcações, elas ainda enfrentam conflitos e problemas para preservar a terra e a identidade

às 13h10
Vista do território quilombola da Serra da Guia, em Poço Redondo, um dos 32 reconhecidos oficialmente pelo Incra em Sergipe (Reprodução)
Vista do território quilombola da Serra da Guia, em Poço Redondo, um dos 32 reconhecidos oficialmente pelo Incra em Sergipe (Reprodução)
A Unit, através de seus cursos de graduação e programas de pós-graduação, desenvolve vários projetos de pesquisa e de extensão em comunidades quilombolas sergipanas (Divulgação/PPGD/Unit)
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Um dos legados mais significativos da presença negra no Brasil é a formação dos territórios quilombolas, áreas remanescentes dos antigos quilombos formados por africanos e descendentes que fugiam de fazendas e engenhos onde eram escravizados entre os séculos 16 e 19. São regiões que abrigam as comunidades quilombolas, definidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como “grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações específicas com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias”.

Atualmente, Sergipe tem 32 comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente pelo Incra. O número total de habitantes não é contabilizado em tempo real, de modo que cada comunidade possui sua própria contabilidade do número de famílias. No entanto, os dados apurados em 2022 pelo próprio Incra estimam que elas reúnem pouco mais de 4 mil famílias quilombolas, compostas por um total de 28 mil pessoas. As comunidades de maior população cadastrada e maior dimensão territorial são a Serra da Guia, em Poço Redondo, e a Brejão dos Negros, em Brejo Grande. Também se destaca a Luzienses, em Santa Luzia do Itanhy, que ainda se encontra em situação parcial de concessão do título de terras.

O professor Fran Espinoza, do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD) da Universidade Tiradentes (Unit), explica que a definição jurídica e formal dos territórios quilombolas é feita a partir do artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais, anexo à Constituição Federal de 1988, além do Decreto Federal nº 4.887/2003. Ambos reconhecem a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades que estejam ocupando suas terras. “Mas essa definição depende da auto-atribuição e do sentimento de pertencimento mantido pelos remanescentes das comunidades de quilombo que tradicionalmente ocupam as terras para realizar seus modos de vida e garantir a reprodução física, social, econômica e cultural”, afirma ele.

O Incra é o órgão federal incumbido das funções de identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular as terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas. Entretanto, de acordo com Fran, essa competência não exclui a ação concorrente dos estados e municípios para prover os serviços básicos de educação, saúde, segurança, moradia, saneamento e seguridade social. “Não é possível afirmar de maneira geral se os quilombos possuem ou não acesso a esses serviços. O que se pode afirmar com certeza é que a luta pelo acesso a esses serviços ainda se encontra ativa atualmente, diz o professor, frisando que as prefeituras e governos estaduais podem e devem promover os serviços básicos para as famílias quilombolas.

Terra e identidade

Uma pesquisa realizada entre 2015 e 2019 por equipes das universidades federais de Sergipe (UFS) e Pernambuco (UFPE) apontou que as temáticas mais debatidas com relação aos quilombos em Sergipe foram, além da saúde e da educação, a identidade cultural e as disputas territoriais. Espinoza acrescenta que estes dois, especialmente, são mais agravados por questões como a especulação imobiliária na zona urbana, a ausência de reconhecimento estatal a nível de demarcação e titulação das terras, e os conflitos agrários com latifundiários e proprietários de terras produtivas e improdutivas. 

“Além disso, para aquelas comunidades que já se encontram em estágio avançado do processo de demarcação, verifica-se que um dos principais problemas relatados pelos moradores é a dificuldade de manutenção da tradição quilombola entre os jovens”, aponta o professor, destacando que a luta dos povos quilombolas se focam principalmente em duas questões: terra e identidade, que são diretamente correlacionadas. 

“A construção dos seus costumes e tradições, os quais compõem sua identidade, estão estreitamente conectados com a terra no qual habitam. Longe de uma folclorização, que é negativa aos povos quilombolas, as famílias que compõem as comunidades possuem ligação com a natureza e preservam costumes, tradições, hábitos e saberes que estão ligados à sua cultura e à ancestralidade negra, conhecimentos cuja manutenção depende da garantia do seu direito à ocupação das terras e demais possibilidades e direitos que dela decorrem. Nesse sentido, a preservação desses territórios perpassa desde a concessão do título de terras até a garantia de preservação de sua identidade cultural”, aponta ele.

Projetos nas comunidades 

Atualmente, o PPGD da Unit mantém dois projetos de pesquisa e extensão que envolvem diretamente as comunidades quilombolas sergipanas. Ambos são coordenados pelo professor Fran Espinoza e têm a participação de estudantes do curso de graduação em Direito, além dos alunos de mestrado e doutorado do programa. 

O primeiro, “Direitos humanos, comunidades quilombolas e ODS 1: estudo de caso em Pontal da Barra, na Barra dos Coqueiros/SE”, busca analisar a situação dessa comunidade quilombola a partir da escuta de suas lideranças sobre três questões principais: vantagens da eventual titulação definitiva, principais desafios enfrentados em razão da não titulação e o papel da universidade e do curso de Direito no enfrentamento desses problemas.

O segundo, “Demandas sociais, direitos humanos e resolução de conflitos: estudo de caso na comunidade quilombola Lagoa dos Campinhos, em Amparo do São Francisco/SE”, faz a mesma análise de situação, mas partindo de duas vertentes. Uma é o pressuposto de que o território quilombola já se encontra em um estágio avançado de demarcação das terras originais, e, com base nisso, busca-se identificar quais as novas demandas sociais expostas pelos integrantes dessa comunidade. A outra consiste numa análise das técnicas de resolução de conflitos adotadas pela comunidade, visando determinar os aspectos constitutivos de sua cultura resolutiva.

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