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Os desafios para aumentar o espaço para a presença negra na ciência

Professor da Unit avalia que o país precisa de políticas públicas para fortalecer o acesso e a permanência de pesquisadores negros e indígenas na chamada ‘ciência de ponta”

às 19h10
Editais de bolsas de pesquisas para cientistas e pesquisadores negros e indígenas vem sendo bastante concorridos no Brasil (Gustavo Fring/Pexels)
Editais de bolsas de pesquisas para cientistas e pesquisadores negros e indígenas vem sendo bastante concorridos no Brasil (Gustavo Fring/Pexels)
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“A ciência de ponta vai além das pessoas brancas”. Esta reflexão é provocada pela bióloga Cristina Caldas, doutora em imunologia pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira, em um artigo publicado no dia 18 de outubro pelo jornal Folha de São Paulo. Nele, a pesquisadora relata a experiência com a seleção de pesquisadores para um edital de bolsas de estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), voltado exclusivamente para pesquisadores negros e indígenas. Com 12 vagas disponíveis, a seleção teve 129 candidatos apresentados e 28 entrevistados. 

O artigo ilustra os desafios que ainda são enfrentados por cientistas de origem negra e indígena, em busca de maiores espaços e melhores oportunidades em um meio ainda dominado por pessoas brancas. O Brasil ainda não tem estatísticas oficiais consolidadas que contabilizem a quantidade ou a percentagem destes pesquisadores, mas a presença deles cresceu nos últimos 20 anos, a partir da implementação de políticas públicas de ações afirmativas, como as Leis de Cotas no ensino superior e no serviço público, além de e editais específicos de apoio à pesquisa para mestres e doutores não-brancos. 

“A gente pode definir que tem aumentado esse espaço, mas muito lentamente. Esse ano, nós tivemos editais específicos de apoio à pesquisa, voltados para as questões de pesquisadores negros, que trabalharam especificamente esse tema no processo seletivo. Mas ainda considerando a população brasileira, o acesso às universidades e a luta do negro por um lugar dentro dessa sociedade tão racista, a gente vê que ainda é muito lento nesse processo, e temos um longo caminho pela frente”, avalia o professor Ronaldo Linhares, doutor em Ciências da Comunicação e pró-reitor de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Tiradentes (Unit). 

Para ele, dois são os principais desafios que negros e indígenas encontram para conquistar o mesmo espaço dos brancos na ciência. O primeiro é o acesso às universidades e aos programas de pós-graduação. Em seguida, a permanência do cientista nestes programas, pois, em razão da necessidade de garantir renda e ajudar a própria família, acabam tendo que atuar em outras funções e atividades, afetando uma carreira que exige tempo, dedicação e disponibilidade. 

É aqui que entram as políticas de bolsas e de cotas, apontadas como um caminho para reduzir as desigualdades. Uma das leis de cotas, voltada ao Ensino Público Federal, foi atualizada recentemente pelo Congresso Nacional e começou a valer nesta terça-feira, 14, com mudanças no mecanismo de ingresso dos cotistas, a redução da renda familiar para reservas de vagas e inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários das cotas, entre outras alterações. Também são destacadas a criação de ministérios específicos para a garantia destas políticas públicas, o da Igualdade Racial e o dos Povos Originários, existentes desde o início do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Linhares acredita que essas políticas de inclusão precisam ser ampliadas e fortalecidas, para que os cientistas negros e indígenas de excelência não sejam apagados do cenário científico. “Até porque há uma ideia simplista de que a competência é suficiente para o acesso e a permanência desses sujeitos. A gente esquece de que nesse país, considerando que mais de 50% da população é parda ou preta, a gente não vê esse índice nos cargos públicos, nos melhores salários, no acesso à universidade. Se essas políticas não forem desenvolvidas, as dificuldades vão ser maiores e, consequentemente, esse processo de construção dos direitos das pessoas pretas estará ameaçado”, alerta.

A Unit e a consciência negra

A Unit também atua no debate e na conscientização sobre o combate ao racismo e a promoção dos direitos das populações negras e indígenas. Recentemente, a Diretoria de Recursos Humanos (DRH) promoveu encontros de letramento racial para gestores e colaboradores, que participaram de palestras com a professora Sara Rogéria Barbosa, doutora em Letras e que atua em movimentos sociais antirracistas. Ela apresentou conceitos e informações sobre a diversidade étnico racial no Brasil e as estruturas que fazem com que pessoas negras estejam em situação de vulnerabilidade ou de exclusão nos ambientes corporativos. 

Há também iniciativas promovidas pelos cursos da instituição. Um deles, o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD), está divulgando dois importantes materiais neste sentido: a cartilha “Direitos Humanos e Consciência Negra”, com textos e reflexões sobre o letramento racial, e o episódio 41 do podcast  ‘Direitos Humanos em 5 Minutos’, no qual o promotor Luis Fausto Valois, do Ministério Público de Sergipe (MPSE), fala sobre liberdade religiosa e discriminação contra as religiões de matriz africana. Os dois materiais podem ser baixados gratuitamente. 

Todas estas ações contemplam as diretrizes institucionais da Unit, baseadas em valores como ética, humildade, inovação, cooperação, responsabilidade social e valorização do ser humano. Em seu dia-a-dia, a instituição está aprofundando ainda mais as discussões em torno de uma política institucional voltada às questões de gênero e raça, incluindo a definição de outras ações que fortaleçam a presença e o protagonismo de estudantes e professores negros e indígenas. 

“A gente tem começado a desenvolver um trabalho que reforça um pouco do perfil do aluno que entra nessa universidade, que é um perfil de um aluno de classe média, de classe média baixa em alguns casos, e que é um perfil de um aluno de cor, especificamente preto. Podemos dizer que um bom número desses alunos pertencem a esse grupo, e que a gente precisa pensar em ações especificamente voltadas para eles”, diz o pró-reitor, destacando que a causa da igualdade racial deve permanecer viva durante todo o ano, e não apenas no Dia da Consciência Negra. 

“Destacar que a data pela data não serve. Ela precisa de um movimento de força e consciência por trás dela. Isso a gente está tendo muito nas escolas, mas ainda não suficiente para quebrar essa relação de poder e essa estrutura de dominação que se estabelece emocionalmente, psicologicamente, com relação à pessoa de cor preta nesse país. É importante a gente considerar que nós construímos e os nossos antepassados construíram esse país, e é importante que a gente tenha um lugar bem definido nessa sociedade que a gente tá vivenciando agora. Com respeito acima de tudo”, conclui Ronaldo Linhares. 

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