“Abra a sua mente: gay também é gente!”. O verso da música “Robocop Gay”, lançada em 1995 pela banda Mamonas Assassinas, ajuda a ilustrar a luta que o público LGBTQIA+ vem travando por mais respeito e mais direitos na sociedade. Essa luta, lembrada no chamado Mês do Orgulho, já resultou em avanços nos direitos legais, na visibilidade e na representatividade, mas ainda tem muitos desafios no que diz respeito ao combate à violência, na redução da desigualdade e na conscientização de boa parte dos brasileiros, que ainda nutrem preconceito em relação à comunidade e a seus apoiadores.
Isso aparece nos resultados da pesquisa Global Advisor – LGBT+ Pride 2023, realizada entre 17 de fevereiro e 3 de março deste ano pelo instituto Ipsos, com 22.514 adultos entrevistados em mais de 30 países, incluindo o Brasil. Ela mostra que, em nosso país, 51% dos entrevistaram disseram aceitar a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e outros 15% acreditam que esses casais devem ter algum tipo de reconhecimento legal, mas não o casamento. Esse apoio é menor do que em países como Holanda (80%), Espanha (78%), Chile (65%), África do Sul (57%) e Estados Unidos (54%); mas maior do que nações como Turquia (20%), Cingapura (32%), Japão (38%) e Peru (41%).
A mesma pesquisa apontou que a maioria dos brasileiros aceita o direito dos LGBTs de constituírem famílias: 71% concordam que casais do mesmo sexo têm a mesma probabilidade que outros pais de criar filhos com sucesso e 69% dizem que deveriam ter os mesmos direitos de adotar crianças que os casais heterossexuais. Nos dois casos, os que discordam (totalmente ou parcialmente) somaram 22% dos entrevistados.
O levantamento mediu ainda o preconceito contra travestis e transexuais. 77% dos brasileiros entrevistados dizem que elas enfrentam pelo menos uma quantidade razoável de discriminação, e concordam com medidas de proteção contra discriminação no emprego, moradia e acesso a negócios como restaurantes e lojas. Quando o assunto vai para outras medidas de apoio a este público, como banheiros e ambientes exclusivos, planos de saúde e opções de registro em documentos oficiais, esse apoio cai para a faixa entre 53% e 59%.
Desigualdade e intolerância
“Ainda que a visibilidade tenha aumentado, a ausência de políticas públicas e de legislações que visem garantir os direitos da população LGBTQIAP+ são sintomas da realidade desigual que atravessa o país. O que temos em termos de direitos ainda são frutos da judicialização das demandas do movimento, ao mesmo tempo que o fenômeno neoconservador avança no Legislativo, por exemplo, refletindo um eleitorado cada vez mais conservador e evangélico”, diz a professora e pesquisadora Daniela de Andrade Souza, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD) da Universidade Tiradentes (Unit).
Ela se refere a leis e garantias determinadas e regulamentadas por iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2011, reconheceu o casamento homoafetivo igualitário, permitindo a realização dos casamentos em cartórios, a adoção de crianças pelos casais e a inclusão dos companheiros em pensões, heranças, aposentadorias e planos de saúde. E em outra decisão, de 2018, a homofobia foi equiparada aos crimes de racismo previstos na Lei Caó (7.716/1989), com penas de até cinco anos de prisão.
A pesquisadora atribui esses resultados a “um pânico incutido na sociedade” de que o casamento igualitário “afrontaria” os valores morais cristãos e “ameaçaria” a existência da chamada “família tradicional”, baseada na heterossexualidade compulsória e no patriarcado. “A ordem moral conservadora estrutura discursos e práticas que se valem de uma retórica reacionária, como a “ideologia de gênero”, o “kit gay”, e movimentos “pró-família”, como estratégia política para obstaculizar pautas dos movimentos feministas e LGBTQIAP+”, pontua Daniela.
Para a doutoranda do PPGD, o resultado disso é uma sociedade cada vez mais intolerante e desigual, e uma democracia cada vez menos substantiva. Isso se comprova em dados relacionados à violência sofrida por esse público. O Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil registrou, em 2022, 273 assassinatos de pessoas LGBT+, incluindo 178 mulheres trans e travestis, o que dá uma média de um crime ocorrido a cada 32 horas – e coloca o Brasil como o país que mais mata transexuais em todo o mundo.
Um dos caminhos defendidos para conscientizar a população sobre um maior respeito à população LGBT está em um comprometimento maior do poder público com políticas públicas de enfrentamento efetivo da violência em razão do gênero e da sexualidade. “Não há como se falar em um Estado Democrático onde pessoas morrem em função de sua existência, onde não há distribuição igualitária de reconhecimento e direitos. Políticas de educação formal e informal sobre diversidade de gênero e sexualidade, formalização dos direitos conquistados pela via judicial, oportunidades de trabalho, acesso à justiça e à saúde são eixos a serem considerados na luta por uma agenda democrática de gênero e sexualidade”, conclui Daniela.
Asscom | Grupo Tiradentes