Com o banimento das gorduras trans no Brasil desde janeiro deste ano, a indústria alimentícia enfrenta um importante desafio: encontrar substitutos saudáveis e seguros para esse ingrediente amplamente utilizado em produtos ultraprocessados. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo excessivo de gorduras trans está diretamente relacionado a um maior risco de desenvolvimento de doenças cardíacas e outros problemas de saúde.
Neste contexto, a nutricionista e professora da Universidade Tiradentes (Unit) Andreza Melo de Araújo, traz esclarecimentos sobre as alternativas e as preocupações associadas a essa transformação na indústria alimentícia. Dentre as alternativas mais prováveis para substituir as gorduras trans, o óleo de palma surge como um candidato principal.
“Devido à sua consistência semissólida e facilidade de utilização em produtos de padaria, esse óleo vegetal tem sido amplamente considerado pela indústria alimentícia. Contudo, é importante ressaltar que o óleo de palma também possui um alto teor de ácidos graxos saturados, o que levanta preocupações em relação às doenças cardiovasculares”, destaca Andreza.
Novas técnicas na indústria alimentícia
Além do óleo de palma, novas técnicas têm sido discutidas como alternativas para a substituição das gorduras trans. A interesterificação, por exemplo, é um processo que ocorre uma redistribuição nas cadeias triacilgliceróis sem alterar os ácidos graxos, produzindo baixos teores de isômeros trans. “Esta técnica mostra-se promissora, pois não afeta o grau de saturação que contribui para a formação da gordura trans”, explica a especialista.
O fracionamento de óleos e gorduras é outro método que tem como objetivo separar o óleo vegetal e a gordura em frações, sendo uma mais sólida e uma mais líquida. “Geralmente, este método é realizado por meio de calor denominado “fracionamento térmico” possui baixo custo e é de fácil operação. Já os oleogeis são agentes que possuem características físicas de semissólidos obtidos a partir de óleos líquidos (soja, girassol, canola, entre outros) aprisionados em agentes estruturantes livres de gorduras saturadas e trans”, revela.
Como já reconhecido, a gordura de palma possui em sua composição um alto teor de ácidos graxos saturados, por isso a sua preocupação com as doenças cardiovasculares. Embora a interesterificação não altere o grau de saturação, ela altera os processos de digestão, absorção e metabolização da molécula gerando novas misturas de triacilgliceróis e por este motivo ela ainda vem sendo investigada.
“Assim, ainda que novas tecnologias não gerem gorduras saturadas. Novas pesquisas sobre essas novas tecnologias devem ser realizadas para assegurar que outros componentes são prejudiciais à saúde do consumidor”, alerta Andreza.
Além dessas alternativas, existem alguns substitutos das gorduras baseados em carboidratos e em proteínas que em algumas situações poderão ser utilizados. “Em relação aos carboidratos podemos citar os “fat mimetics” como por exemplo: a dextrina, gomas celuloses, fibras, células, pectinas e amidos modificados”, detalha.
A principal vantagem é ter boa eficácia e serem seguros principalmente em relação aos seus efeitos toxicológicos pela FDA (Food and Drug Administration), sendo termoestáveis principalmente em relação à panificação. A desvantagem é que por possuírem grande quantidade de água em sua composição não podem ser utilizados em frituras.
“Já os substitutos de gorduras baseados em proteínas podem ser usados em formulações de sobremesas, iogurtes, queijos, sorvetes, maioneses, margarinas e molhos, no entanto, possuem várias limitações, principalmente por não poderem ser utilizados em produtos de panificação e frituras pelas altas temperaturas alcançadas nesses processos que provocam coagulação e desnaturação das proteínas”, ressalta.
Sustentabilidade na escolha de alternativas
Andreza ainda revela a importância de considerar não apenas os aspectos nutricionais, mas também os impactos sociais e ambientais na escolha das substituições das gorduras trans. “Buscar origens que não sejam somente da palma, pode contribuir para promover o uso sustentável dos recursos naturais”, destaca a especialista.
O Guia Alimentar para a População Brasileira discorre sobre o sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável. Segundo o documento, em relação ao impacto ambiental, alguns aspectos devem ser considerados como: técnicas empregadas para conservação do solo; uso de fertilizantes orgânicos ou sintéticos; plantio de sementes convencionais ou transgênicas; controle biológico ou químico de pragas e doenças; formas intensivas ou extensivas de criação de animais; uso de antibióticos; produção e tratamento de dejetos e resíduos; conservação de florestas e da biodiversidade; grau e natureza do processamento dos alimentos; distância entre produtores e consumidores; meios de transporte; e a água e a energia consumidas ao longo de toda a cadeia alimentar.
Garantindo a segurança das substituições
Em relação à segurança das substituições propostas, como as gorduras interesterificadas, a professora da Unit destaca que existem vários estudos que avaliam e explicam técnicas que podem ser utilizadas na substituição à gordura trans na indústria.
No entanto, em relação às implicações para a saúde e metabolismo humano, ainda não são bem conhecidos e descritos. “Por isso são necessários mais estudos para garantir a segurança e evitar riscos à população”, afirma a especialista.
De maneira geral, a orientação é que as pessoas tenham preferências por alimentos in natura ou minimamente processados como base da alimentação, em detrimento dos processados e ultraprocessados, para contribuir para o cumprimento do direito humano à alimentação adequada e saudável para todos.
Leia também: Alunos de Biomedicina da Unit promovem atendimentos e aprendizado