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Aumenta o interesse do público e das faculdades pela culinária tradicional

Culinárias tradicionais e menos conhecidas vem sendo cada vez mais procuradas pelos amantes da gastronomia, que buscam experiências autênticas e por receitas que representem a identidade de cada região

às 14h57
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Quem costuma frequentar festivais e feiras temáticas de gastronomia, ou costuma acompanhar programas de TV voltados ao tema, como Masterchef (Band), Top Chef (Record) ou Prato Feito (Globo), percebe uma presença cada vez maior de pratos e receitas originais ou mais identificados com populações mais tradicionais, como indígenas, africanas ou asiáticas, ou mesmo com as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. É uma comida cada vez mais diversa que vem sendo servida à mesa, oferecendo experiências autênticas e interações com culturas e tradições menos “comuns” ou menos conhecidas de cada sociedade. 

Um exemplo disso está na chamada comida de quilombo, desenvolvida por comunidades de africanos e descendentes que fugiam de fazendas e engenhos onde eram escravizados, entre os séculos 16 e 19. Em regiões como a Serra da Barriga, em Alagoas, onde existiu o Quilombo dos Palmares, o patrimônio cultural e gastronômico é preservado através das comunidades e de restaurantes que oferecem pratos como acarajés, galinhadas e outros à base de carne, verduras e legumes, com temperos tradicionalmente usados pelos quilombolas.

A professora Isabelle de Andrade Brito, do curso de Gastronomia da Universidade Tiradentes (Unit), destaca estas receitas típicas e “não-convencionais” como exemplo de uma tendência que busca romper com o domínio absoluto da cultura europeia na gastronomia. “Muitas vezes, a história passa a ter um olhar internacional. A depender de como seja conduzida essa história, ela terá uma visão europeia, com os conceitos e com toda a história de forma mais marcante. E agora a gente já percebe uma série de países em busca da sua própria história, relatando a sua cultura, o seu patrimônio, e a comida como patrimônio cultural”, ressalta, acrescentando que, em contextos como esse, a comida é muito ligada à cultura e à história de cada região.

De acordo com ela, a influência da visão europeia nas sociedades ocidentais, incluindo a brasileira, fez com que, por muito tempo, ocorresse uma valorização maior de produtos alimentares (à base de farinha de trigo, vinho, figos e frutas secas) e modos de preparo europeus, que eram considerados mais “refinados”. Isso fez com que itens genuinamente brasileiros, como o milho e a cachaça, fossem mais desvalorizados e associados a alimentos simples e básicos. “Essa questão da valorização está muito ligada ao processo histórico, que também está muito ligada às questões sociais e antropológicas de dominantes e dominados”, resume Isabelle. 

Outro exemplo citado está na própria culinária africana, que a despeito de sua população ser enxergada por muitos anos como “inferiorizada”, foi uma das principais contribuintes e influenciadoras da culinária brasileira, fornecendo ingredientes como dendê, banana, quiabo e coco. No caminho da atual tendência mundial, receitas de origem africana vêm ganhando um outro olhar e despertando curiosidade. A professora da Unit cita o Bobotie, considerado o prato nacional da África do Sul e um dos preferidos do líder e ex-presidente Nelson Mandela (1918-2013). “É uma mistura de frutas secas, especiarias, carne de cordeiro, uso do pão e do ovo, que de forma convencional a gente não conhece, não imagina que é uma comida africana, talvez pela ausência forte do dendê nessa comida. E isso desmistifica justamente a ideia que tudo que é comida africana tem que ser à base de dendê”, detalha Isabelle.

Made in Sergipe

Esse interesse crescente do público pela “comida não-convencional” e por receitas menos exploradas também vem sendo acompanhado pelas aulas do curso de Gastronomia da Universidade Tiradentes (Unit). Ele dedica disciplinas específicas em sua grade curricular para a gastronomia brasileira e para a culinária regional nordestina, nas quais o aluno é convidado a explorar a origem, os ingredientes e a forma de preparo de pratos identificados com cada estado da região. 

Isso passa inclusive por utensílios utilizados para servir os pratos, como panelas de barro e cestos de palha; e produções com queijo coalho, leite, manteiga, frutas como a mangaba e outros insumos típicos. “É possível a gente buscar todas essas etnias, esse saber-fazer, esses alimentos que são patrimônios e materiais do nordeste, valorizando cada vez mais a nossa cultura, a nossa identidade”, diz Isabelle. 

Um exemplo de ingrediente típico regional é o catado de aratu, um tipo de crustáceo comum em manguezais da região do povoado Terra Caída, em Indiaroba (Sergipe), onde vivem comunidades de marisqueiras. Ali, um dos destaques é a empada de aratu, preparada há mais de 50 anos e declarada em 2021 como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado. Na mesma região, em especial nas Praias do Abaís e do Saco, existe a produção de uma moqueca de catado, colocada para defumar em uma palha de bananeira, em um processo herdado dos indígenas. 

A região promove também o turismo gastronômico de base rural, no qual as pessoas são convidadas a conhecer mais de perto as regiões, suas culturas, o processo de produção e a vivência das comunidades locais. “Na região de Indiaroba, o turista vivencia o que é o mangue. Ele entra, entende o que é esse ecossistema, visualiza as marisqueiras extraindo esse marisco, verifica como é o processo, para fazer o catado de aratu, e a partir daí, ele degusta uma culinária bem local, produzida pela população ”, explica Isabelle. 

O curso de Gastronomia também conta com uma disciplina voltada ao estudo e à exploração da cozinha internacional geral, oriunda de continentes como África, Ásia e América Latina. “A gente tem alguns alunos que acabam se apaixonando, depois que conhecem isso, e a gente aí desenvolve. Tem a disciplina de Projetos de Extensão, tem a disciplina específica de Pesquisa, e então eles são estimulados a trabalhar essas culturas, que também tem religião”, acrescenta a professora da Unit, referindo-se às culinárias dedicadas ao judaísmo (kosher) e às religiões de matriz africana (umbanda e candomblé). Esses trabalhos também são expostos ao final de cada semestre, com produção de artigos e exposições nas Semanas de Pesquisa e Extensão da Unit (Sempex). 

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