“Um rei passou por aqui”. Poucas cidades brasileiras podem ostentar essa afirmativa com um certo orgulho, e o fazem geralmente por meio de marcos históricos em praças, ruas e edifícios. Em Sergipe, esses marcos podem ser encontrados na capital, Aracaju, e nas cidades de Maruim, Laranjeiras, São Cristóvão, Estância, Neópolis e Santana do São Francisco, que foram visitadas entre outubro de 1859 e janeiro de 1860 pelo imperador Dom Pedro II (1825-1891), que governou o Brasil entre 1840 e 1889. O roteiro, cumprido em duas visitas oficiais, fez parte de uma agenda de viagens que o monarca adotou por diversas províncias brasileiras, incluindo Sergipe, com o objetivo de conhecer melhor o país e suas necessidades.
“As visitas imperiais eram eventos de grande significado político e social. Elas representavam o reconhecimento da importância das cidades visitadas e eram oportunidades para o monarca avaliar o desenvolvimento das províncias, incentivando melhorias em infraestrutura, educação e cultura. Além disso, essas visitas fortaleciam o vínculo entre a monarquia e a população local, promovendo um senso de unidade nacional”, explica o professor Rony Rei do Nascimento Silva, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPED) da Universidade Tiradentes (Unit).
Uma das marcas deixadas pelas visitas oficiais, em Aracaju, foi a “Ponte do Imperador”, que na verdade é um atracadouro construído junto ao Rio Sergipe, em frente à atual Praça Fausto Cardoso. Foi por ele, chamado antes de “Ponte de Desembarque”, que Pedro II e sua comitiva desembarcaram de um navio a vapor em 11 de janeiro de 1860. Foi de onde eles começaram a percorrer uma série de locais recém-construídos ou em obras na cidade, instituída como capital cinco anos antes, em março de 1855, pelo decreto de transferência instituído pelo então presidente da província, Inácio Joaquim Barbosa.
“Em janeiro de 1860 estavam prontas a Casa de Oração São Salvador (atual Igreja do Salvador), que funcionava como Matriz, o Palácio Provisório, que foi adaptado para ser Paço Imperial, as praças e ruas centrais, algumas repartições públicas, do Império e da Província, e por todos os lados outras obras anunciavam o que seria a capital de Sergipe (…). O volume de obras descritas na memória sobre a visita do Imperador impressiona pela grandeza, pela capacidade técnica, pela firmeza da gestão provincial, pela disposição, incessante, dos administradores em cumprirem com o projeto da construção de Aracaju”, escreveu o jornalista e historiador Luiz Antônio Barreto (1944-2012), em texto publicado no dia 6 de fevereiro de 2010, por seu blog no Portal Infonet.
Durante alguns dias, o imperador e sua comitiva cumpriram uma série de compromissos em Aracaju, como inaugurações, cerimônias e visitas a obras. Todos eles eram acompanhados de perto pela população, que sempre acolhiam a comitiva com palmas, flores, fogos e muita festa. O cenário se repetiu pelas outras cidades onde Pedro II e seu séquito passaram, sempre a barcos ou a cavalos. Em Itaporanga D’Ajuda, ele e a imperatriz Teresa Cristina (1822-1889) ficaram hospedados no Engenho Escurial, hoje preservado como fazenda pelo grupo turístico Vidam. Em Maruim, a comitiva visitou as obras da Igreja de Nosso Senhor dos Passos e passou pela Rua das Pedras, na praça em frente a templo, que tinha sido construída por mão-de-obra escravizada e foi preservada até hoje em perfeito estado.
Em São Cristóvão, a antiga capital, o imperador esteve principalmente em escolas, conventos, igrejas e na antiga Santa Casa de Misericórdia. Mas foi em Estância, no sul da Província, onde a acolhida foi mais calorosa, com recíproca verdadeira. “Dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina desembarcaram no Porto d’Areia, sendo recebidos por autoridades e uma multidão entusiástica. Visitou escolas, elogiando o sistema educacional local e incentivando melhorias. Percorreu praças e jardins, destacando a beleza da cidade, o que levou ao apelido ‘Cidade-Jardim de Sergipe’”, lembra Rony. De Estância, em 21 de janeiro, a comitiva imperial deixou Sergipe, tomando o caminho da Bahia.
Nas margens do São Francisco
As cidades e vilas mais ao norte do estado, mais precisamente Neópolis e Santana do São Francisco (antigo povoado Carrapicho), foram visitadas em 1859, em meio à expedição feita por Pedro II pelas cidades que margeiam o percurso do Rio São Francisco. Na mesma viagem, ele passou pelas cidades alagoanas de Penedo e Piranhas, do outro lado do Velho Chico. O que se repetiu, além da festa e da reverência das populações locais, foi a atenção e o extremo interesse do imperador pelas condições de vida, pelo cotidiano e pelas culturas das populações locais, bem como pela natureza das regiões visitadas.
“Na viagem pelo rio São Francisco, munido de bons mapas e contando com auxílio de entendidos, o Imperador conheceu as cidades sergipanas e alagoanas que ocupavam as margens do velho Chico, as ilhas, as grutas, os morros, cumprindo um roteiro que impunha contatos, beija-mão, visitas a escolas, igrejas, entidades pias, e a outros equipamentos sociais. De tudo, Dom Pedro II fez anotações, registros, e desenhos que estão contidos nos manuscritos depositados e sob a guarda do Museu Imperial de Petrópolis [Rio de Janeiro], parte dos quais publicados. Em tais documentos foram fixadas informações úteis, que ajudam a recuperar a memória ribeirinha, nem sempre preservada”, conta o texto de Luiz Antônio Barreto.
Outros registros da viagem foram consolidados no livro “Viagem Imperial à Província de Sergipe ou Narração dos preparativos, festejos e Felicitações que tiveram lugar por ocasião da visita que fizeram à mesma Província Suas Majestades Imperiais em janeiro de 1860”, que foi escrito pelo jornalista Luís Álvares dos Santos e publicado pela Tipografia do Diário, por ordem do então presidente provincial Manoel da Cunha Galvão (1822-1872). Essa obra está preservada pelo Museu Histórico de Sergipe (MHS), em São Cristóvão.
Pedro II não mais voltaria a Sergipe, em razão das demoras nas viagens da época e também do ambientes políticos e sociais conturbados que viriam tempo depois, com a Guerra do Paraguai (1865-1870), os movimentos abolicionistas contra a escravidão e o levante militar de 15 de novembro de 1889, que depôs a monarquia, proclamou a República e forçou a família imperial ao exílio. Com o tempo, as obras físicas e intelectuais foram permanecendo e ressaltando as marcas da passagem do imperador em nosso estado. “As visitas de Dom Pedro II a Sergipe deixaram um legado na infraestrutura, educação, cultura e desenvolvimento”, resumiu o professor Rony.
com informações do Museu Histórico de Sergipe e do Jornal de Maruim.
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