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Falta de conhecimento e preconceito ainda prejudicam pessoas com autismo

Episódios recentes mostram que a inclusão de autistas em creches, escolas e espaços públicos vem acontecendo sem a capacitação adequada, mesmo com leis e políticas

às 20h06
Familiares de autistas reivindicam respeito às leis e políticas públicas que garantem os direitos das pessoas com essa condição: desconhecimento que persiste (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Familiares de autistas reivindicam respeito às leis e políticas públicas que garantem os direitos das pessoas com essa condição: desconhecimento que persiste (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
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O Transtorno do Espectro Autista, conhecido como TEA ou simplesmente autismo, voltou a chamar a atenção do público na última semana, com dois episódios que provocaram indignação. Em 7 de novembro, um estudante autista de 15 anos teve o braço quebrado dentro de uma escola pública do Guará (DF), após entrar em crise e ser imobilizado por um policial militar que trabalhava como professor temporário – e foi afastado. Já no dia 16, a mãe de um menino autista de três anos denunciou ter sido discriminada por uma atendente de uma loja de roupas em Feira de Santana (BA). A funcionária, que teria se recusado a atendê-la, acabou demitida e divulgou um vídeo negando a acusação. Os dois casos estão sendo apurados pelas autoridades policiais. 

Os episódios citados demonstram que a sociedade ainda mantém preconceito e desconhecimento em relação ao autismo e às formas de lidar com ele. Isso passa principalmente pela inclusão de crianças e adolescentes com o transtorno em ambientes como escolas, creches, clubes e espaços públicos em geral. Para muitos especialistas, essa inclusão acaba sendo feita muitas vezes de maneira incorreta e sem a capacitação adequada dos profissionais destes estabelecimentos, inclusive gestores. 

“Há um certo tipo de inclusão perversa no que acontece, que pensa-se que as crianças incluem a criança em todo lugar, mas a criança não está incluída de fato, porque não tem ferramentas para lidar com aquela pessoa. Por exemplo, ele vai para uma escola, mas a escola não dispõe de meios necessários para que a criança possa se desenvolver ali. Então é um preconceito pela falta do que lidar, pela falta do que saber”, ressalta a psicóloga Catiele Reis, especializada em Psicologia da Infância e professora do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit). 

Ao longo dos últimos 20 anos, uma série de leis foram promulgadas para garantir direitos e políticas públicas para crianças e pessoas com autismo, e abrangendo igualmente os familiares. Destacam-se a Lei Berenice Piana (12.764/2012), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e a Lei Romeo Mion (13.977/2020), que cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), emitida gratuitamente por estados e municípios. Para a psicóloga, estas leis e políticas estão se adequando ao TEA, e ainda faltam muitos avanços para a garantia de um respeito pleno às pessoas com esta condição.  

“A gente tem a lei que ampara ter um cuidador especializado nas escolas. A gente tem o direito à gratuidade, à fila especial, e até ao auxílio-benefício em alguns casos de TEA grave, mas a gente ainda precisa alcançar muita coisa. Por exemplo: é ver o TEA como um tratamento especializado nos planos de saúde; é o ver acompanhante e o terapeuta entrar no rol da ANS [Agência Nacional de Saúde] como um dos pilares para o atendimento, e liberar a atenção intensiva para as crianças sobretudo na escola; saber que a terapia não é quatro paredes e se faz também longe do consultório… então tem-se muitas conquistas ainda”, avalia Catiele.

Mais diagnósticos?

O Brasil ainda não tem uma pesquisa oficial consolidada sobre o quantitativo da população com autismo. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) incluiu questões relacionadas ao TEA no Censo 2022, cujos resultados específicos ainda estão sendo apurados. No entanto, estimativas não-oficiais baseadas em estudos periódicos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a agência pública de saúde dos Estados Unidos, apontam que entre 1 milhão e 2 milhões de brasileiros estejam nessa condição. 

Catiele explica que não houve aumento dos casos de TEA, mas sim um aumento dos métodos de rastreio, como observação clínica e protocolos de escala como Portage, Cars (Childhood Autism Rating Scale) e IDADI (Inventário Dimensional de Avaliação do Desenvolvimento Infantil). E isso, segundo ela, tem motivado as pessoas a buscar saber mais sobre o assunto, principalmente por causa de situações que vem envolvendo crianças. “Na infância, está havendo realmente um atraso no desenvolvimento das crianças por causa da pandemia. As crianças passaram muito tempo em casa e com isso teve um atraso de desenvolvimento. E aí ela faz terapia para buscar atingir o marco do desenvolvimento”, diz a professora da Unit, referindo-se ao chamado transtorno da pandemia da Covid-19. 

Esta preocupação, inclusive, apareceu no estudo Situação Mundial da Infância 2021, divulgado há dois anos pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que alertou para uma piora na saúde mental de crianças e adolescentes em todo o mundo. O estudo estimou que, em todo o mundo, mais de um em cada sete meninos e meninas com idade entre 10 e 19 anos vivem com algum transtorno mental diagnosticado, incluindo o TEA.

A professora esclarece que o autismo não pode ser considerado doença, mas sim um transtorno neuropsicológico que faz parte de um espectro, com sinais de pequenos atrasos no desenvolvimento em pelo menos três áreas: socialização, linguagem e comunicação. “O autismo faz parte de um espectro e estar dentro dele é uma coisa muito ampla e a pessoa pode ter vários níveis. Então, o autismo não pode ser considerado doença porque ele tem uma amplitude muito grande, que um diagnóstico de doença não causa e que a pessoa consegue projetar uma vida boa ou ter uma qualidade de vida”, diz Catiele. 

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