A discussão sobre os malefícios dos alimentos ultraprocessados, produzidos pela indústria alimentícia a partir de compostos e substâncias produzidas artificialmente, voltou a ser estimulada com a notícia de que a Organização Mundial de Saúde (OMS) desaconselhou o uso de adoçantes sem açúcar para controlar o peso corporal ou reduzir o risco de doenças não-transmissíveis. O parecer foi divulgado no último dia 15 de maio e se baseia em revisões de estudos científicos, as quais concluíram que o consumo destes adoçantes não contribui para a redução da gordura corporal e ainda aumenta os riscos de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Esse entendimento está em outro relatório da OMS, que deve ser divulgado nesta sexta-feira, 14, pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC). Segundo informações da agência de notícias Reuters, a entidade pode até desaconselhar o uso do aspartame, um dos componentes mais utilizados em adoçantes artificiais e refrigerantes dietéticos (também chamados de zero). O parecer tem relação com a suspeita de que a substância seja causadora do câncer e de outras doenças correlatas, o que é pesquisado por mais de 1,3 mil estudos científicos em todo o mundo.
“Só pra você ter uma ideia, o aspartame tem uma capacidade de adoçar esse produto 200 vezes mais que o próprio açúcar. Apesar de as pesquisas ainda não serem conclusivas sobre a relação entre o consumo de aspartame e o surgimento do câncer, mas a gente sabe que o consumo desses alimentos por um período prolongado pode sim tem um índice e uma relação direta ou indireta com o surgimento de várias doenças, como câncer, obesidade, hipertensão e diabetes”, afirma o nutricionista e professor Hugo Xavier, coordenador do curso de Nutrição da Universidade Tiradentes (Unit).
O que são
Os ultraprocessados são uma das quatro categorias de alimentos listadas pelo Guia Alimentar da População Brasileira, que os definem como “formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários tipos de aditivos usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes)”.
É nesta classificação que entram os refrigerantes, refrescos, bebidas energéticas, iogurtes e bebidas lácteas adoçados e aromatizados. Também se enquadram tipos de biscoitos, sorvetes, balas e guloseimas em geral, pães e cereais açucarados, misturas para bolo, barras de cereal, sopas, macarrão e temperos ‘instantâneos’, molhos e salgadinhos “de pacote”, além de produtos congelados e prontos para aquecimento como pratos de massas, pizzas, hambúrgueres e extratos de carne de frango ou peixe empanados do tipo nuggets, salsichas e outros embutidos.
Hugo Xavier explica que esses alimentos são amplamente consumidos pela população devido à praticidade e a rapidez de seu preparo. Ele alerta, no entanto, que os compostos e substâncias ali presentes não têm nenhuma função no organismo e são aplicados para conferir uma maior durabilidade aos alimentos, de modo que eles fiquem mais tempo nas prateleiras e nas dispensas. Dessa forma, elas acabam atrapalhando a absorção dos nutrientes essenciais ao funcionamento do corpo, contribuindo para o surgimento de doenças e mortes relacionadas à má alimentação.
“Um exemplo disso é o cálcio, existente em alguns alimentos. Quando você consome um refrigerante com aspartame, ele impede a absorção do cálcio. Consequentemente, esse indivíduo fica com menos cálcio, o osso fica mais fraco e quebra com mais facilidade, o que chamamos de osteoporose. Isso é muito comum nos adolescentes e nas crianças, que caem com muita facilidade. A gente tem ainda a obesidade, muito comum por causa da caloria excessiva no consumo desses alimentos. E tem a piora da flora intestinal dessas pessoas”, afirma ele.
Dá pra reduzir
Uma evidência nesse sentido aparece em uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que foi publicada em janeiro deste ano pela revista científica American Journal of Preventive Medicine. Ela mostrou que os ultraprocessados ocupam entre 13% e 21% do consumo total de energia da dieta em adultos, ao mesmo tempo em que contribuíram com cerca de 57 mil mortes prematuras entre 30 e 69 anos em 2019.
O estudo também sugere que a redução desse consumo entre 10% a 50% teria o potencial de evitar entre 5.900 e 29.300 mortes. “A redução do consumo de alimentos ultraprocessados promoveria ganhos substanciais em saúde para a população e deveria ser uma prioridade da política alimentar para reduzir a mortalidade prematura”, concluem os pesquisadores da USP.
A principal atitude recomendada para isso é a mudança dos hábitos alimentares, o que passa por um maior consumo de alimentos in natura, originados de animais e vegetais, como ovos, verduras, legumes, frutas e folhas, ou dos minimamente processados, que não tiveram nenhuma adição na composição original, mas apenas mudanças no processo de envasamento, limpeza ou moagem, como arroz, feijão, frutas secas, sucos naturais e as carnes cortadas em açougues, que podem em substituir os embutidos e enlatados, como a salsicha.
O professor da Unit orienta que as mudanças nos hábitos sejam graduais, sobretudo para as crianças, para que elas se acostumem melhor com os alimentos mais saudáveis e prefiram menos os ultraprocessados. “Outra dica é colocar os alimentos naturais mais à vista da criança ou do adolescente, e mostrar a ele quais são os benefícios. Isso nós chamamos de educação alimentar e nutricional. Tudo parte dela. É necessário que os pais tenham essa consciência e comecem a trabalhar isso com as crianças o mais cedo possível”, concluiu.
Asscom | Grupo Tiradentes