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Reformatório Penal chega aos 30 anos formando alunos e garantindo acesso à justiça

Projeto do curso de Direito permite que estudantes atuem em conjunto com a Defensoria Pública na revisão e orientação de processos, trazendo impactos diretos a mais de 2 mil pessoas por ano

às 17h38
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Para os que estão presos, uma garantia de que seus direitos legais estão sendo respeitados. Para os que estudam, uma oportunidade prática de aprendizado como futuro operador do Direito. Para a sociedade, mais segurança e tranquilidade. Assim podem ser resumidos os ganhos proporcionados pelo Reformatório Penal, um dos mais longevos projetos de extensão desenvolvidos pela Universidade Tiradentes (Unit), através do seu curso de Direito. Criado em 1995, ele está completando 30 anos de atividades desenvolvidas no sistema penitenciário sergipano. 

Por meio do projeto, e em parceria com a Defensoria Pública de Sergipe, estudantes de Direito atuam em conjunto com defensores públicos na prestação de assistência jurídica gratuita a pessoas de baixa renda que estejam detidas no sistema prisional ou envolvidas em processos criminais, investigadas, rés ou condenadas, orientando-as o estado de cada processo, os direitos previstos, as fases e condições de execução da pena. Eles também atuam na análise de casos em tramitação em varas e câmaras criminais, de Execuções Penais e de Violência Doméstica e Familiar na Comarca de Aracaju. 

Segundo o professor Ronaldo Marinho, do curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD), que coordena o projeto há 11 anos, o trabalho de acompanhamento e orientação do projeto traz impactos diretos a mais de 2 mil pessoas por ano. Se contados os impactos indiretos, abrangendo familiares e amigos que acompanham cada processo ou execução de pena, esse total aumenta para mais de 10 mil pessoas. 

“O acesso à justiça é mais amplo que o acesso ao Poder Judiciário. Envolve a busca de informações sobre direitos e deveres, estado do processo, fases processuais, consequências das decisões, esclarecimento sobre termos técnicos e seus efeitos”, diz o professor, frisando que os pilares do Reformatório Penal são a efetivação do acesso à Justiça e o respeito aos direitos fundamentais previstos na legislação brasileira. “O projeto é fruto da estatística criminal do Estado e da superpopulação nas penitenciárias, visando despertar nos acadêmicos a consciência quanto às distorções que formam o sistema penitenciário de Sergipe, a passo que desenvolve ações no campo jurídico que provoquem um levantamento do estado e da vida carcerária de cada um dos detentos”, explica. 

O projeto, além da parceria com a Defensoria Pública, conta também com o apoio do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) e da Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc), através do Departamento Estadual do Sistema Penitenciário (Desipe). Isso permite a ampliação das atividades do projeto, dando aos alunos o acesso a processos reais dados e informações para pesquisas e produções acadêmicas, a exemplo dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs).

Marinho ressalta que, para além do aprendizado técnico profissional, os estudantes são sensibilizados pela questão penitenciária e pelos problemas nele existentes, ao vivenciarem as distorções do sistema criminal, as histórias de cada pessoa e os contextos do crime e de cada pena. “O reconhecimento dos direitos, o saber das fases do processo e as consequências de cada decisão possibilita maior tranquilidade às pessoas privadas de liberdade, seus familiares e amigos, possibilitando um clima menos conflituoso nas unidades prisionais, planejamento para liberdade e reintegração social”, resume. 

Ainda de acordo com Ronaldo, mais de 1 mil estudantes já passaram pelo Reformatório Penal como estagiários desde a sua criação. E entre os que estagiaram nos últimos 15 anos, todos foram aprovados em primeira tentativa no Exame de Ordem da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), sendo a grande maioria antes da conclusão do curso. “Este dado é importante mensurador da efetividade da relação entre a sala de aula e a atividade prática, marcadores do nosso curso de direito e do compromisso da Universidade Tiradentes com a formação humanística e técnico profissional, inspirada nos pilares da educação contemporânea: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver juntos”, destaca. 

Experiências

Uma das alunas aprovadas no Exame de Ordem antes de se formar foi Marianne Andrade de Oliveira Silva, que está no 9º período de Direito e está fazendo mobilidade acadêmica pelo ProMAI (Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional) na Universidade do Porto, em Portugal. Segundo ela, o Reformatório Penal foi a sua primeira experiência de estágio e lhe permitiu elaborar peças processuais ainda no quinto período, o que, para ela, foi fundamental para a aprovação na OAB.

“O que mais aprendi no projeto foi o direito penal na prática. Por meio do estágio tive acesso aos procedimentos criminais e passei a ter contato e a confeccionar as peças processuais, criando um raciocínio jurídico sobre cada caso e aplicando o que eu tinha visto durante as aulas teóricas da faculdade. Tive a oportunidade de ampliar a minha visão sobre o mundo jurídico e sobre como o direito penal funciona na prática. O projeto nos faz enxergar além do profissional e nos traz uma perspectiva mais humana com relação à atuação na vida prática, despertando o interesse para questões que vão além do processo penal”, diz Marianne, considerando a experiência como “uma das mais enriquecedoras” de sua vida. 

Entre as egressas de Direito que passaram pelo estágio no Reformatório Penal, está a advogada autônoma Daniela Santos da Cruz, que foi estagiária em 2021 e se formou dois anos depois. Ela conta que já conhecia a importância desse projeto desde antes de entrar na Unit, como bolsista do Programa Universidade para Todos (ProUni). “Tive a oportunidade de aprender de maneira prática as diversas funções desempenhadas pelos defensores públicos, como a análise e elaboração de defesas em processos judiciais, a mediação de conflitos e a atuação na área criminal com base nos direitos humanos. Embora tenha estagiado em diversos órgãos e áreas do Direito, foi no Reformatório que me encontrei profissionalmente. Ao atuar junto aos defensores públicos, percebi a similaridade entre meus princípios e a carreira de defensor público. Posso afirmar, com sinceridade, que a prática vivenciada nesse projeto me tornou uma profissional mais capacitada, mais humana e com perspectivas que vão muito além da teoria acadêmica”, relembra Daniela. 

Já a servidora pública Adiclécia França Santana, que se formou em 2021 e atua como assessora judiciária no TJSE, foi estagiária do projeto em 2018, junto ao núcleo da Defensoria em Tobias Barreto, interior do Estado. Ela elaborava petições e fazia atendimentos ao público, principalmente em casos da área criminal. “Com isso, pude ter o privilégio de aprofundar o conhecimento jurídico e adiantar assuntos com os quais eu só teria contato em períodos mais à frente. Ademais, uma das coisas mais importantes foi aperfeiçoar o trato com o próximo, no que toca à comunicação e ao respeito. Participar do projeto me abriu portas (considerando a experiência e networking) e aflorou o interesse em desenvolver pesquisas”, diz Adiclécia , que ainda escreveu, com o professor Ronaldo, dois artigos científicos baseados em sua experiência com o Reformatório Penal. 

A advogada Isadora Marques Barreto, formada em 2024, passou pelo projeto em 2022 e atuou na própria Defensoria, atendendo sobretudo a adolescentes e crianças em conflito com a lei, sendo muitas em situação de extrema vulnerabilidade. “Ali, aprendi que o Direito não é apenas um conjunto de normas. É, sobretudo, um instrumento de dignidade, escuta e transformação. O que mais aprendi foi a importância de enxergar o ser humano por trás de cada processo. Aprimorei minha empatia, minha sensibilidade e minha coragem. Entendi, na prática, que ser advogada é também ser ponte entre a dor e a esperança. Cada atendimento, cada orientação, cada palavra trocada me formou mais do que qualquer aula teórica poderia ter feito”, comenta Isadora, que hoje trabalha no escritório Monteiro Nascimento, em Aracaju. 

Um novo modelo

Para marcar os 30 anos do projeto Reformatório Penal, está prevista para ocorrer, em breve, uma audiência pública em parceria com a Sejuc, o TJSE, o Conselho Penitenciário do Estado e o Ministério Público de Sergipe (MPSE). Ela vai discutir a implantação, em Sergipe, de uma APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), unidade prisional administrada pela sociedade civil e sem o emprego de forças policiais. 

O modelo de gestão prisional, baseado na recuperação dos presos através da humanização e da valorização da dignidade humana, tem mais de 50 anos de atuação no país, que é exemplo de sucesso com baixos índices de reincidência e custos mais baixos, sendo replicado em diversos países pelo mundo. De acordo com o professor Ronaldo Marinho, as tratativas neste sentido vêm acontecendo desde o ano passado e a audiência pública deverá ser marcada para o segundo semestre deste ano. 

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