No universo das redes sociais, uma presença cada vez mais frequente é a de influenciadores que se apresentam como médicos, estudiosos, instrutores, atletas ou simplesmente praticantes de exercícios, que propagam uma série de mensagens apelativas sobre o que se deve ou não comer ou usar na alimentação. Ou mesmo que tipo de dieta deve ser adotada. Muitas dessas mensagens carecem de comprovação médica ou científica, mas acabam fazendo uma série de estragos na saúde e na alimentação de muitas pessoas, que ao seguirem os tais “conselhos”, acabam fazendo escolhas alimentares extremas e prejudiciais à saúde.
Esse comportamento é chamado pelos especialistas de “terrorismo nutricional”. O termo é utilizado para descrever a abordagem alarmista e extremista sobre alimentação, muitas vezes baseada em medo e desinformação. “É um tipo de abordagem que pode ser prejudicial à saúde mental e física, levando a transtornos alimentares, comportamentos obsessivos e uma relação ruim com a comida”, resume a professora Cristiani Brandão, preceptora do estágio em Nutrição Clínica no curso de Nutrição da Universidade Tiradentes (Unit), citando consequências como deficiências nutricionais, gasto desnecessário com produtos milagrosos, desinformação e má qualidade de vida.
Ela acrescenta que, para além de influenciar negativamente as escolhas de cada pessoa, o terrorismo nutricional também causa estragos na credibilidade e na prática profissional dos profissionais de nutrição. “Esse método compromete seriamente o trabalho dos que fazem uma orientação nutricional baseada em ciência e equilíbrio. Isso acontece porque: gera medo e desconfiança; distorce o conhecimento científico; incentiva dietas restritivas e insustentáveis; impacta a relação das pessoas com a comida e desvaloriza o papel do nutricionista”, alerta.
A identificação do terrorismo nutricional exige atenção a certos padrões de discurso e comportamento que aparecem nas mensagens e publicações. Cristiani descreve esses padrões em seis características principais:
- Uso de termos alarmistas e extremistas: frases como “esse alimento é um veneno”, “nunca coma isso” ou “esse ingrediente mata”, etc; e argumentos que demonizam alimentos específicos sem considerar o contexto geral da alimentação.
- Proibição de grupos alimentares sem justificativa científica: dietas que eliminam totalmente carboidratos, gorduras ou qualquer outro grupo sem necessidade real, que não levam em conta a individualidade de cada pessoa.
- Falsa sensação de controle absoluto sobre a saúde: uso de expressões como “cure qualquer doença apenas com a alimentação”, mas sem embasamento científico.
- Excesso de regras e restrições: listas rígidas de “pode e não pode” sem considerar o equilíbrio, além da criação de culpa ou medo em quem não segue essas regras à risca.
- Indicação de alimentos ou produtos milagrosos: excesso de foco em um único alimento ou suplemento como solução para emagrecer ou curar doenças, o que aparece em expressões como “detox milagroso”, “emagreça sem esforço” ou “este ingrediente queima gordura instantaneamente”.
- Propagação de informações sem base científica: uso de estudos isolados, mal interpretados ou fora de contexto para justificar restrições extremas.
Busque conhecimento
Muitos influenciadores e vendedores de cursos ou produtos alimentares nas redes sociais são os principais disseminadores do terrorismo nutricional. O principal recurso utilizado por eles, muitas vezes como estratégia de marketing, é o discurso alarmista, que costuma chamar atenção e gerar engajamento. Cristiani Brandão explica que, para diferenciar um profissional sério de um terrorista nutricional, é importante observar o discurso, a abordagem e a base científica das informações que ele transmite.
“Pessoas sem conhecimento ou formação adequada na área nutricional têm maiores chances de se comportar como ‘terroristas nutricionais’ quando se envolvem com esses assuntos, por razões como falta de compreensão científica; propagação de modismos; busca por reconhecimento e audiência; uso de “experiência pessoal” como argumento; falta de entendimento sobre os riscos; manipulação de inseguranças e medos. Em contraste, profissionais qualificados têm o conhecimento necessário para balancear as informações de forma segura, considerar o contexto individual de cada paciente e promover uma abordagem que seja tanto saudável quanto sustentável”, diferencia a professora.
Neste sentido, cada pessoa pode evitar o terrorismo nutricional, seja como vítima ou como praticante, valendo-se de informações responsáveis e baseadas em evidências. “Uma pessoa que não tem formação nutricional deve buscar conhecimento qualificado e fontes confiáveis, como: educação formal em nutrição; investir em cursos e certificações confiáveis; acompanhar pesquisas científicas e estudos; consultar profissionais qualificados; desenvolver pensamento crítico; participar de comunidades e discussões profissionais; estudo contínuo e atualizações; ter ética e responsabilidade na comunicação. Dessa forma, a pessoa pode evitar cair na tentação de seguir abordagens alarmistas e, ao mesmo tempo, se tornar uma fonte responsável de informações sobre nutrição”, orienta a professora.
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